Nova fase da crise: risco de bancarrota
O economista Kenneth Rogoff afirma que, se a história económica dos últimos 200 anos serve de padrão, há o risco desta grave crise financeira preceder uma crise da dívida soberana em países em situação de endividamento mais grave
A evidência histórica confirma que há uma correlação muito forte entre crises bancárias e bancarrotas de países afectados, quer no caso de países ricos como emergentes.
As crises bancárias em geral precedem as crises de dívida soberana - aliás, ajudam a predizê-las, afirma o professor de Economia Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard, que tem trabalhado com Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, na história económica e financeira dos últimos 200 anos.
Num estudo recente, intitulado "From Financial Crash to Debt Crisis", publicado, na semana passada, nos artigos científicos (working papers) do National Bureau of Economic Research americano, os dois economistas recordam que entre 1800 e 2009 ocorreram 290 crises bancárias e 209 bancarrotas (defaults, na designação técnica anglo-saxónica) de dívidas soberanas em 70 países ricos, emergentes e em desenvolvimento, abrangendo África, Ásia, Europa, América Latina, América do Norte e Oceânia, que analisaram.
Uma média de uma bancarrota por ano e de quase uma e meia crises bancárias por ano. Estamos, por isso, confrontados com um padrão histórico e não com uma anomalia bizarra. "A história económica sugere que os responsáveis governamentais não deverão estar excessivamente empolgados pelo facto de não ter havido grandes incumprimentos de dívida entre 2003 e 2007, depois da vaga de defaults das duas décadas anteriores. Dado que essas vagas estão normalmente separadas por muitos anos, mesmo décadas, não há qualquer razão para supor que as bancarrotas em série estão mortas", refere Rogoff.
Quatro vagas históricas
Apesar desta média anual, as bancarrotas de países concentraram-se a partir de 1820 em quatro vagas.
Uma primeira nas décadas de 1820 a 1840; uma segunda nas décadas de 1870 a 1890, na sequência de crises financeiras graves em 1873 e 1890/1892; uma terceira nas décadas de 1930 e 1950, um período que congrega o pânico financeiro de 1929/1932, a Grande Depressão de 1930 a 1932 (uma quebra acumulada do PIB mundial de 18,7%), a 2ª Guerra Mundial e o pós-guerra de Reconstrução; e uma quarta nas décadas de 1980 e 1990, na sequência de crises financeiras regionais graves (como a crise asiática de 1997-1998) ou crises financeiras sérias em países como os EUA em 1984, a Itália em 1990, o Reino Unido, a Suécia e a Grécia em 1991, o Japão em 1992 e a Rússia e o Brasil em 1998.
Esta análise histórica é suportada num trabalho caso a caso desenvolvido por Carmen Reinhart em "This time is different Chartbook: Country histories on debt, default, and financial crisis", também, publicado, agora, pelo NBER.
Rogoff deixa no ar a hipótese de uma quinta vaga nas primeiras décadas do século XXI, na sequência da actual crise financeira global, de que os casos islandês e do Dubai teriam sido primeiros sinais.
No caso dos três países europeus com mais bancarrotas externas ao longo da história dos últimos séculos, Rogoff e Reinhart analisaram os casos espanhol, português e grego (neste caso, a partir da Independência do país em relação ao império turco-otomano). O efeito mais prolongado (quase um século), apesar de um baixo número de episódios de incumprimento ou renegociação (apenas 5) da dívida externa, deu-se na Grécia. As bancarrotas externas espanholas (o maior número, 12) ocorreram durante a dinastia filipina na concretização do seu projecto imperial mundial no século XVI e depois do período das guerras napoleónicas no séc. XIX. No caso português, houve uma bancarrota externa em 1560 na vigência da regência da viúva de João III, durante a crise do projecto imperial português, e, depois, outras quatro (1828; 1837-1841; 1850-1856; 1892-1901), no século XIX, desde o miguelismo até à crise final da monarquia (ver quadro neste link ).
Bomba ao retardador
Uma das observações que Rogoff faz sobre o risco actual de bancarrotas é que ele poderá irromper em série, subitamente, nos designados países ricos neste início do século XXI. Essa é a novidade.
O problema estrutural reside no peso da dívida externa total (pública e privada) que atingiu rácios superiores a 100% em relação à riqueza criada anualmente (Produto interno bruto, PIB) em diversos países ricos, com destaque para os europeus, com o caso extremo da Irlanda (mais de 1000%!), seguida da Islândia (mais de 900%), Reino Unido (mais de 400%), Holanda (mais de 300%), Bélgica (quase 300%) e Suíça (mais de 270%), segundo os dados comparativos fornecidos pelo CIA World Fact Book 2010, com dados relativos a 30 de Junho de 2009. Portugal vem logo a seguir, em 8º lugar (com 230%), no clube de risco dos 25 países desenvolvidos com mais elevada dívida externa total em relação ao PIB (ver quadro) .
Os dados oficiais mais recentes do Banco de Portugal, relativos ao final de Setembro de 2009, apontam, no caso português, para uma dívida externa de 367,5 mil milhões de euros, ou seja 223% em relação ao PIB estimado para 2009. O que não altera a posição no ranking referido.
A "bomba ao retardador" de que a revista Time falava há 25 anos atrás "deslocou-se" geograficamente dos países em desenvolvimento para os ricos.
Nos anos 1980, quatro países da América Latina - Argentina, Brasil, México e Venezuela - concentravam metade da dívida externa mundial. Hoje esse lugar é ocupado por três países ricos: Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha (ver quadro ).
Mudança geoestratégica
Os EUA passaram, desde 1985, a ser o principal tomador de empréstimos internacionais e apenas sete países da União Europeia - Reino Unido, Alemanha, França, Holanda, Espanha, Irlanda e Bélgica - detém hoje mais de 50% da dívida total mundial. O que correspondeu ao início de uma nova vaga de financeirização, que o economista francês Charles Goldfinger denominou de "era da geofinança".
Os quatro países latino-americanos referidos representam, agora, apenas, 1% da dívida externa (pública e privada) mundial. Rogoff refere que o rácio médio entre a dívida externa pública e o PIB de 22 países ricos mais do que duplicou entre 1980 e 2009.
O economista francês François Heisbourg, presidente do International Institute for Strategic Studies, considera esta mudança uma transformação geoestratégica decisiva na economia mundial.
No entanto, este padrão de defaults em países ricos não é uma estreia histórica. Nos países ricos, pertencentes à amostra seguida por Carmen Reinhart, no Chartbook que referimos, quase todos revelam "um historial impressionante de crises externas, particularmente entre as décadas de 1880 e 1930".
O caso grego (apesar de ter uma dívida total em percentagem do PIB inferior aos 13 primeiros e inclusive à portuguesa) despoletou-se, subitamente, em virtude da perda de confiança nas estatísticas oficiais que haviam "maquilhado" a dívida externa (que "baixou" 72% entre 2007 e 2008!), bem como o défice público pelo governo anterior de direita chefiado por Kostas Karamanlis, perda de confiança que foi aproveitada pelos especuladores para um ataque à zona euro.
Aviso da Moody's aos EUA e Reino Unido
Apesar dos holofotes estarem concentrados sobre a Grécia e os outros designados PIGS, a agência de notação Moody's, através do seu serviço Investors Service, avisou em meados deste mês que os Estados Unidos e o Reino Unido poderão estar "substancialmente" perto de perderem a sua notação triplo A (a mais elevada). A nota da agência de rating afirmava que as notações estavam "estáveis" por agora, mas que a sua distância em relação a uma despromoção (downgrade) "diminui substancialmente".
Qualquer fagulha, inesperada, sublinha Kenneth Rogoff, poderá incendiar este panorama estrutural no seio dos ricos. Com uma agravante: em caso de recaída na recessão mundial, a margem de manobra para políticas anticrise nestes países desenvolvidos será muito "mais curta" do que em 2007-2009, sublinha Philippe Trainar, economista-chefe da sociedade resseguradora SCOR e que pertenceu ao gabinete de previsão do ministério da Economia e Finanças francês.
Adaptado
O economista Kenneth Rogoff afirma que, se a história económica dos últimos 200 anos serve de padrão, há o risco desta grave crise financeira preceder uma crise da dívida soberana em países em situação de endividamento mais grave
A evidência histórica confirma que há uma correlação muito forte entre crises bancárias e bancarrotas de países afectados, quer no caso de países ricos como emergentes.
As crises bancárias em geral precedem as crises de dívida soberana - aliás, ajudam a predizê-las, afirma o professor de Economia Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard, que tem trabalhado com Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, na história económica e financeira dos últimos 200 anos.
Num estudo recente, intitulado "From Financial Crash to Debt Crisis", publicado, na semana passada, nos artigos científicos (working papers) do National Bureau of Economic Research americano, os dois economistas recordam que entre 1800 e 2009 ocorreram 290 crises bancárias e 209 bancarrotas (defaults, na designação técnica anglo-saxónica) de dívidas soberanas em 70 países ricos, emergentes e em desenvolvimento, abrangendo África, Ásia, Europa, América Latina, América do Norte e Oceânia, que analisaram.
Uma média de uma bancarrota por ano e de quase uma e meia crises bancárias por ano. Estamos, por isso, confrontados com um padrão histórico e não com uma anomalia bizarra. "A história económica sugere que os responsáveis governamentais não deverão estar excessivamente empolgados pelo facto de não ter havido grandes incumprimentos de dívida entre 2003 e 2007, depois da vaga de defaults das duas décadas anteriores. Dado que essas vagas estão normalmente separadas por muitos anos, mesmo décadas, não há qualquer razão para supor que as bancarrotas em série estão mortas", refere Rogoff.
Quatro vagas históricas
Apesar desta média anual, as bancarrotas de países concentraram-se a partir de 1820 em quatro vagas.
Uma primeira nas décadas de 1820 a 1840; uma segunda nas décadas de 1870 a 1890, na sequência de crises financeiras graves em 1873 e 1890/1892; uma terceira nas décadas de 1930 e 1950, um período que congrega o pânico financeiro de 1929/1932, a Grande Depressão de 1930 a 1932 (uma quebra acumulada do PIB mundial de 18,7%), a 2ª Guerra Mundial e o pós-guerra de Reconstrução; e uma quarta nas décadas de 1980 e 1990, na sequência de crises financeiras regionais graves (como a crise asiática de 1997-1998) ou crises financeiras sérias em países como os EUA em 1984, a Itália em 1990, o Reino Unido, a Suécia e a Grécia em 1991, o Japão em 1992 e a Rússia e o Brasil em 1998.
Esta análise histórica é suportada num trabalho caso a caso desenvolvido por Carmen Reinhart em "This time is different Chartbook: Country histories on debt, default, and financial crisis", também, publicado, agora, pelo NBER.
Rogoff deixa no ar a hipótese de uma quinta vaga nas primeiras décadas do século XXI, na sequência da actual crise financeira global, de que os casos islandês e do Dubai teriam sido primeiros sinais.
No caso dos três países europeus com mais bancarrotas externas ao longo da história dos últimos séculos, Rogoff e Reinhart analisaram os casos espanhol, português e grego (neste caso, a partir da Independência do país em relação ao império turco-otomano). O efeito mais prolongado (quase um século), apesar de um baixo número de episódios de incumprimento ou renegociação (apenas 5) da dívida externa, deu-se na Grécia. As bancarrotas externas espanholas (o maior número, 12) ocorreram durante a dinastia filipina na concretização do seu projecto imperial mundial no século XVI e depois do período das guerras napoleónicas no séc. XIX. No caso português, houve uma bancarrota externa em 1560 na vigência da regência da viúva de João III, durante a crise do projecto imperial português, e, depois, outras quatro (1828; 1837-1841; 1850-1856; 1892-1901), no século XIX, desde o miguelismo até à crise final da monarquia (ver quadro neste link ).
Bomba ao retardador
Uma das observações que Rogoff faz sobre o risco actual de bancarrotas é que ele poderá irromper em série, subitamente, nos designados países ricos neste início do século XXI. Essa é a novidade.
O problema estrutural reside no peso da dívida externa total (pública e privada) que atingiu rácios superiores a 100% em relação à riqueza criada anualmente (Produto interno bruto, PIB) em diversos países ricos, com destaque para os europeus, com o caso extremo da Irlanda (mais de 1000%!), seguida da Islândia (mais de 900%), Reino Unido (mais de 400%), Holanda (mais de 300%), Bélgica (quase 300%) e Suíça (mais de 270%), segundo os dados comparativos fornecidos pelo CIA World Fact Book 2010, com dados relativos a 30 de Junho de 2009. Portugal vem logo a seguir, em 8º lugar (com 230%), no clube de risco dos 25 países desenvolvidos com mais elevada dívida externa total em relação ao PIB (ver quadro) .
Os dados oficiais mais recentes do Banco de Portugal, relativos ao final de Setembro de 2009, apontam, no caso português, para uma dívida externa de 367,5 mil milhões de euros, ou seja 223% em relação ao PIB estimado para 2009. O que não altera a posição no ranking referido.
A "bomba ao retardador" de que a revista Time falava há 25 anos atrás "deslocou-se" geograficamente dos países em desenvolvimento para os ricos.
Nos anos 1980, quatro países da América Latina - Argentina, Brasil, México e Venezuela - concentravam metade da dívida externa mundial. Hoje esse lugar é ocupado por três países ricos: Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha (ver quadro ).
Mudança geoestratégica
Os EUA passaram, desde 1985, a ser o principal tomador de empréstimos internacionais e apenas sete países da União Europeia - Reino Unido, Alemanha, França, Holanda, Espanha, Irlanda e Bélgica - detém hoje mais de 50% da dívida total mundial. O que correspondeu ao início de uma nova vaga de financeirização, que o economista francês Charles Goldfinger denominou de "era da geofinança".
Os quatro países latino-americanos referidos representam, agora, apenas, 1% da dívida externa (pública e privada) mundial. Rogoff refere que o rácio médio entre a dívida externa pública e o PIB de 22 países ricos mais do que duplicou entre 1980 e 2009.
O economista francês François Heisbourg, presidente do International Institute for Strategic Studies, considera esta mudança uma transformação geoestratégica decisiva na economia mundial.
No entanto, este padrão de defaults em países ricos não é uma estreia histórica. Nos países ricos, pertencentes à amostra seguida por Carmen Reinhart, no Chartbook que referimos, quase todos revelam "um historial impressionante de crises externas, particularmente entre as décadas de 1880 e 1930".
O caso grego (apesar de ter uma dívida total em percentagem do PIB inferior aos 13 primeiros e inclusive à portuguesa) despoletou-se, subitamente, em virtude da perda de confiança nas estatísticas oficiais que haviam "maquilhado" a dívida externa (que "baixou" 72% entre 2007 e 2008!), bem como o défice público pelo governo anterior de direita chefiado por Kostas Karamanlis, perda de confiança que foi aproveitada pelos especuladores para um ataque à zona euro.
Aviso da Moody's aos EUA e Reino Unido
Apesar dos holofotes estarem concentrados sobre a Grécia e os outros designados PIGS, a agência de notação Moody's, através do seu serviço Investors Service, avisou em meados deste mês que os Estados Unidos e o Reino Unido poderão estar "substancialmente" perto de perderem a sua notação triplo A (a mais elevada). A nota da agência de rating afirmava que as notações estavam "estáveis" por agora, mas que a sua distância em relação a uma despromoção (downgrade) "diminui substancialmente".
Qualquer fagulha, inesperada, sublinha Kenneth Rogoff, poderá incendiar este panorama estrutural no seio dos ricos. Com uma agravante: em caso de recaída na recessão mundial, a margem de manobra para políticas anticrise nestes países desenvolvidos será muito "mais curta" do que em 2007-2009, sublinha Philippe Trainar, economista-chefe da sociedade resseguradora SCOR e que pertenceu ao gabinete de previsão do ministério da Economia e Finanças francês.
Adaptado
Este artigo foi retirado hoje do "Exame Expresso" e porque o acho super oportuno e estar em linha com o meu pensamento, me dei ao atrevimento de o "plagiar".
Essencialmente porque acho que mais cedo ou mais tarde vai acontecer. Espero que seja mais tarde do que cedo, mas não me parece que demore.
Se o quiserem ler na forma original está nesse sitio da internet e tem o autor.
Jorge Nascimento Rodrigues
15:28 Terça-feira, 23 de Mar de 2010
15:28 Terça-feira, 23 de Mar de 2010
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