sexta-feira, 27 de março de 2020

A notícia do coronavírus


Há 15 polícias infetados em Portugal e 450 estão em isolamentoFiquei atordoado com a notícia, o Felismino está infectado.
-Arre! Que eu estive com ele no serviço num destes dias.
Deixa-me fazer contas! Não sou capaz, estou a ficar atrapalhado, já me estão a vir os sintomas.
Que paranóia, não me consigo concentrar. Ora quando é que foi isso?
Cinco, seis dias! Não me lembro, que memória esta, que atrapalhação.
E a malta que já lidou com ele? Aqueles que trabalham na equipa, que andaram todos os dias juntos, cara a cara, ombro a ombro, todos encartelados dentro daquelas viaturas.

-Nem quero pensar! Mas eu preciso pensar, mas não consigo.
Que atrapalhação, tenho o coração aos pulos, deixa-me fazer o diagnóstico!
-Onde é que está um termómetro? Agora não encontro o raio do termómetro! Mas ele estava aqui. 
E eu a mandar piadas que era bom vendê-lo que rendia uns trocados, já que estão a custar €100 nas farmácias. 
-Nunca vi o mercúrio tão caro. E agora não o encontro, que trapalhão eu estou.

Deixa-me cá fazer um “check-up” aos sintomas do Covid a ver se não entro em parafuso.
-Ora febre altas não sinto; dores musculares também não; resfriado também não apanhei e não sinto nada disso; dor de garganta um bocadinho; mas o cheiro ainda tenho; os pulmões ainda é cedo, ardor nos olhos não; o nariz ainda respira bem; tosse não; apetite era bom que me faltasse, mas por outros motivos.
Bem, acho que é só esta sensação na garganta, para manter a paranóia.
Há que acalmar, não há-de ser nada. O que me assusta mesmo é esta falta de defesas que tenho no organismo, que qualquer gripe me tomba.
Vamos ser optimistas, que o pensamento positivo também ajuda, diz-se por aí agora.

E os colegas dele? Não me saem do pensamento. Como é que eles se sentem no meio deste turbilhão. Devem estar com a cabeça a mil. Deve-lhe ter caído a notícia que nem uma bomba.
Eles estiveram em contacto muito próximo com o Felismino, vão ter que fazer o teste. 
E ele vai ter que ficar em isolamento e fazer a  quarentena profiláctica, confinado no quarto sem receber visitas e ter lá as refeições, usar casa de banho em separado e sei lá que mais. Que horror, pior que estar preso, é estar também doente!

Esta porcaria deste bicho agora entra num nova fase, chamam-lhe a fase da mitigação, que é ainda é mais assustador. Parece que é a fase em que todos podem ser contaminados por todos, em que a pandemia fica sem controlo e não se sabe de quem pode vir. Se do colega de trabalho, da família, do funcionário do supermercado, do funcionário dos serviços públicos, do enfermeiro, do médico, do contentor do lixo, do puxador da porta, de um raio que parta isto tudo, que agora todos somos suspeitos.
Vai andar tudo a fugir uns dos outros como se tivéssemos a tinha. Não é Covid!  

Vamos ter que nos proteger mesmo, principalmente dos mais velhos, parece que estão todos a tombar.
Há quem diga que parece que foi feito por encomenda, uma espécie de corona-velhos. Apanha todos por esses lares fora. Até parece que são uma espécie de dirigíveis direitinhos aos mais velhos, que lhes destrói o sistema respiratório e pulmonar, que por serem mais fracos e terem poucas defesas. Mas os outros também não escapam, que disto ninguém se fica a rir. 
Entram pelo nariz ou pela boca. Multiplicam-se aos milhões nessas vias e saltam cá para fora mais longe que perdigotos, daí o dever de guardar distância de uns três passos e usarem máscara, pelo menos os infetados.
Agora não é o problema do mau hálito é o corona, que dizem que é tão frágil mas que se reproduz só nos humanos e se aguenta nas zonas húmidas, mas que morre ao sol.

Venha lá esse verão a ver se nos livramos deste pânico, mas entretanto lavem essas mãos usem o gel desinfetante, mantenham as distâncias, que isto de luvas e máscaras para todo a gente, no meio desta guerra são armas que não chegam para todos e livrem-se de cair num hospital que aí pode ser mesmo o fim.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Covid-19 Dia Zero




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     Levanto-me de manhã cedo. Abro os olhos e momentaneamente parece tudo normal. E assim é se o pensamento não nos arrastar para o que já está para trás.
De repente começo a vir a mim, após pequenos “flashes” de bons sonhos, vá-se lá saber porquê, caio logo na realidade, o Covid-19 está lá fora. 
Vou ter que o enfrentar.
Um vírus em fúria com vontade de destruir a humanidade. Uma guerra declarada por um inimigo que não conhecíamos nem ninguém esperava, sem ameaças sem avisos, sem preparação, sem motivos. Pensamos nós!
Uma pandemia que varre tudo desde a China ao resto do mundo.
Preparo-me e saio de casa.
Começo a circular por estes cerca de cinco quilómetros até à Esquadra.
É rápido, principalmente quando não se vê pingo de gente, a não ser um ou outro de carro que ainda resiliente ou necessitado vai a caminho do seu dever profissional.
Este vazio que encontro já me faz pensar e observar. Aliás traz-me novas percepções. Novos pormenores que me escapavam.
E de repente dou por mim a pensar que o verde já está mais vivo, reparo nalgumas flores que desabrocham, coisa que já me havia esquecido de reparar por entre estas altas pedras de cimento plantadas a estreitar as ruas que nos escondem outras realidades.
Reparo noutros pormenores mais adiante, ah! que engraçado os passarinhos a esvoaçar à minha frente. Mas isso já não existia por estas bandas?
Devia haver, eu é que andava distraído com outras sensações, preenchido com as realidades citadinas, afinal já me tornei há muito um “hurbanoide”. Teso mas a crer-me parecer que quando chego à terra me olham como se fosse alguém importante, lá da cidade.
Mas a realidade do corona tudo fará mudar e de que forma, se ainda mal está a começar e já me põe a ver o mundo diferente. Tão diferente que dou por mim a reparar em realidades que já me escapavam.
Chego ao trabalho, mais um alerta, pássaros à porta. O silêncio das ruas ainda está a começar e já vejo o à-vontade das aves. A pavonearem-se à minha frente como que sem medo e querer demonstrar que agora todos os espaços abertos já são seus.
Fiquei impressionado. Como é que em dois ou três dias o mundo muda assim tão de repente?
Que panaceia este Covid para os bichos. Será que de repente vai começar a aparecer a bicharada pelas ruas sem pedir licença ao homem, sem ter que fugir e com toda esta espontaneidade! Parece.
Vamos lá ao trabalho, que é dia de começar a nossa luta contra o mal. Contra inimigo sem rosto, o assassino que nos está a confinar a quatro paredes, sem tréguas, que nos rouba a alegria, os afectos, os beijos os abraços.
Metemo-nos no carro e lá vamos nós enfrentar os inimigos do inimigo, ou melhor, os espertos, os teimosos, os displicentes ou incautos, ou que seja até apenas os desleixados e porque não os distraídos ou mesmo os necessitados.
É preciso ir para a rua espalhar a palavra, mesmo que seja só pela nossa presença quando ela ainda se impõe, ainda que só pelo respeito nalguma educação que nos resta.
A ordem é descrita:
-Vão para as zonas mais movimentadas e parem junto a estabelecimentos mais frequentados e vão impondo a lei pela palavra, que o povo é calmo e sereno.
Começam a notar-se os pequenos passeios matinais ou higiénicos, a que alguns não conseguem resistir, ou até outros adoram transgredir, nem que seja para medir o pulso às autoridades.
Passeia-se o cão, vai-se à farmácia, veste-se o fato de treino e é desta que lhe damos o uso certo, num “jogging” há tanto adiado.
-Vou comprar pão e assim tomo o meu habitual café matinal lá fora.
E tantas outras coisas, como açambarcamentos depois de longas filas no supermercado, mas tudo bem.
É interessante ver a psicologia do medo.
Passa a hora do almoço, vamos a mais uma ronda, ver como a populaça se comporta com a nova realidade.
Uma esplanada aberta como se nada estivesse proibido e toda a gente como lagartos ao sol ali se “esperneiam”, como se nada fosse, não tivessem acabado afinal os futebóis.
Para-se o Carro Patrulha, a ver se se espantam e ganham vergonha.
Alguns de uma forma acabrunhada lá se vão pondo a andar depois de um olhar incisivo da Polícia como que a avisar que as leis são para cumprir.
Espreita-se lá para dentro, lá estão uns quantos ancorados no balcão, vêem as noticias que podiam ver em casa, espalham mais uns vírus da boca pra fora e «tásse bem».
Entra-se em acção e explica-se as novas leis da República.
-Ah! eu tenho serviço de “take away” e tenho aqui os clientes à espera.
E andamos nisto, qual cornona qual quê!
Mais umas voltas para novas paragens.
Um café com ajuntamentos à porta?
Vamos verificar.
Mais um a transgredir. Umas “jolas” para amigos que o vírus assim é que morre… qual corona qual quê!
Vamos espreitar o paredão.
Está tudo a atropelar-se uns aos outros, como formigas em carreiro, mas a pretexto do ar puro que vem do mar ou do “fitness”. Que se lixe o Covid que ele ainda não há-de andar por estas bandas.
Mais uma paragem para sensibilizar e verificar comportamentos.
-Olha ali aquele café com porta aberta pelas traseiras com aquele corrupio de gente!
Entre outras, assim se passou o dia.
Acabou-se o trabalho, vamos para casa tomar um banhinho desinfectar-nos bem, lavar esta roupa que o perigo está sempre à espreita. 
Tenha um bom covid.
Que o diabo seja cego, surdo e mudo!