domingo, 26 de outubro de 2014

O EMBUSTE ORÇAMENTAL

O Orçamento de Estado para 2015 está aí a dar que falar.

Sem deixar de referir a polémica questão dos sacos plásticos, com uma taxa de 8 cêntimos, custando cada um 10 cêntimos, que irá afetar desde logo as compras do dia a dia, obrigando as pessoas a andar sempre com sacos ou outras formas de transportar as compras. O certo é que esta medida chamada de fiscalidade verde, que ao parecer positiva, não passa de mais uma forma encapotada de captação de impostos ao consumidor, que provocará problemas às empresas  relacionadas com a produção e distribuição de artigos plásticos, e empurrará uns quantos para o desemprego, relacionados com essa diminuição drástica de consumo dos ditos sacos de plástico.
Quanto ao imposto verde aplicado aos produtos petrolíferos, levará à subida da gasolina e gasóleo em cerca de 7 cêntimos por litro que sairá dos nossos bolsos diretamente para o O.E., e a taxa de depósito de lixo em aterros também custará mais às famílias.
E dizem eles que os portugueses não irão ter agravamento de impostos.
A grande novidade para o Orçamento prende-se também com a cobrança de IRS aos cidadãos.
Logo depois de apresentadas as novas regras de IRS, verificou-se que haverá um agravamento considerável na cobrança por essa via.
O Governo veio logo dizer que iria aplicar uma clausula de salvaguarda para os cidadãos poderem optar pelo modelo mais favorável. Assim quem verificar que com este novo método vai pagar mais impostos pode optar pelo modelo anterior.
Hum.
Aquilo que eu não entendo é como isso é possível. Se as tabelas de desconto forem as mesmas não há agravamento, além do mais que os casais com filhos vão ter uma majoração de 0,3 por cada filho, mas parece que isso só beneficiará cerca de 27% dos contribuintes.   
Quanto às alterações sofridas a nível de benefícios fiscais, com a inclusão de ascendentes no agregado familiar beneficiando em €300, quem tiver os pais a seu cargo e fará com que os residentes na províncias passem a figurar no agregado familiar nos centros urbanos, por forma a iludir a máquina fiscal, para obter esses benefícios.
Já os filhos a beneficiar no IRS até €350 euros, tudo bem também. Mas não se esqueçam que a maioria tinha benefícios fiscais nas prestações de habitação própria que era a grande maioria das famílias. Agora deixam de poder beneficiar, arrecadando o Estado uma grande quantia que só em parte será utilizada para compensar os novos benefícios fiscais.
Um ganho portanto em sede de IRS para 2015.
Quanto às despesas em educação que poderão ir até €2.250, essas irão beneficiar as famílias com posses que aproveitarão para deduzir no IRS as despesas dos seus filhos em colégios particulares, ajudando o governo a esvaziar a escola pública, permitindo mais encerramento das escolas, deixando as famílias em dificuldades financeiras sem alternativas à escola pública, que cada vez está mais degradada de forma intencional, com o propósito do governo fomentar o ensino particular.     Esvazia-se o ensino público consagrado na Constituição como direito fundamental e dá-se mais um empurrão às pretensões neoliberais de Passos Coelho.
Com esta medida ilusória consegue-se destruir o ensino público e provocar mais despedimentos a nível de ensino, reduzindo nos gastos orçamentais.
Mais um ganho portanto para o governo.
As pessoas que não possam auferir destes benefícios fiscais, ficarão a perder, pois deixam de receber na esmagadora maioria, pois basta não ter pais a cargo, nem filhos e deixarem de beneficiar nas prestações mensais da habitação e isso é uma grande franja dos que fazem descontos, onde me incluo particularmente.
Mas pode-se compensar nas despesas gerais familiares, onde se inclui o vestuário, a eletricidade, telecomunicações, supermercado, etc., até €600 por casal.
E quem não tiver dinheiro para essas compras?
Ou isto é só para quem pode?
Mas as despesas com a saúde também mudaram e agora permite-se ter 15% na dedução.
Mas quem é que ainda tem dinheiro para ir ao médico e às farmácias?
Os ricos?
Ora sempre os mesmos a beneficiar! 
Portanto tenho que me preparar para não ter benéficos fiscais a receber e correr o risco de ter que passar desta forma a pagar mais IRS, mantendo-me no mesmo escalão.
Certo?
Vem agora o remedeio com clausula de salvaguarda, para mim e milhares de pessoas.
Que salganhada como diz o outro! O tal da comissão das reformas que afirma que este IRS vem para beneficiar os ricos.
Quero ver se o sistema informático das finanças aguenta e se não temos um novo estado de CITIUS.
De resto só me basta controlar-me nos sacos plásticos, no lixo, ou na gasolina, porque aí sim, este orçamento é mesmo um embuste, para não falar no aumento de eletricidade, gás, etc.
Daí ser um Orçamento malicioso e a beneficiar quem tenha dinheiro para fazer aplicações em PPR, abater carros velhos na compre de novos, ou a colocar os seus meninos em colégios particulares e no final disso tudo ainda embolsam com o novo IRS, uma certa classe privilegiada e protegida por este governo que cada vez despreza mais os desempregados e pobres, cortando-lhes nas despesas sociais previstas no Orçamento, que esses sim não ganham nada com este IRS. 
Lá terão que ir apanhar ferro velho e cartão, ou quem sabe sacos plásticos para aproveitar que ao preço que vão ficar, ainda viram negócio de pobres.
Mas as empresas, essas sim serão as grandes beneficiadas com a baixa no IRC, para fomentar e captar o investimento produtivo. 
Que justiça social esta, beneficiar aqueles que pela perda de receita no baixo consumo de quem já não tem dinheiro para gastar.
E os senhores ministros a aumentar as despesas orçamentais através dos seus gabinetes ministeriais. Que rico exemplo se dá!
Mas pronto, nota-se um esforço orçamental do governo em algumas medidas, não fosse 2015 ano de eleições.  

domingo, 5 de outubro de 2014

ENSAIO LEGISLATIVAS 2015


Numa espécie de encenação de Paulo Portas contra Passos Coelho, relativamente ao diferendo entre eles neste governo de coligação, relativamente à baixa de impostos que já teve direito a um “irrevogável” ato teatral tem agora a continuação numa segunda cena.

Se está bem ensaiado ou não, o certo é que já tem plateia e comentadores suficientes, esta ideia de descida de impostos.
Após a escolha de António Costa como candidato a 1º Ministro pelo PS, os protagonistas entraram em cena.
A peça são as próximas legislativas, em que os atores principais já subiram ao palco.
Neste ensaio geral aparecem os dois nesta cenografia de coligação a animar as hostes.
O figurinista Marques Mendes dá o mote, dizendo que as divergências entre PSD e CDS, relativamente à descida de impostos (IRS) e o facto de estarem um contra o outro, acredita o comentador que isso não vai ser motivo para a queda do governo, nem o fim da coligação. Até porque esta encenação já aconteceu antes e tudo continuou na mesma. 
Um a querer mostrar-se preocupado com a exaustão dos impostos e o outro receoso com as metas orçamentais, não passa de teatro.
No fundo são apenas jogadas políticas levadas a cabo por Portas a querer fazer de bonzinho da coligação.  
Na verdade se se desentendessem como diz Marques Mendes, seriam corridos pelo eleitorado no caso de eleições antecipadas. E isso eles sabem bem.
Portanto este desentendimento na moderação fiscal é apenas uma encenação teatral, que Portas sabe muito bem protagonizar.
O que é certo é que isto já é motivo para se verterem noticias sobre a hipótese do fim de coligação e   a queda do Governo.
Mas se está à espera que isso aconteça, desiluda-se.
Nenhum Governo de direita se demitiu até hoje e não era agora que isso ia acontecer.
Nem o caso “irrevogável”  de Portas deu motivo para isso por parte de Cavaco Silva e muito menos agora isso ia acontecer.
Os governos de direita têm objetivos concretos e desde que esses objetivos sejam seguidos como é o caso, não serão as manifestações nem o descontentamento de uns ou de outros que os vai demover.
Estes governantes têm pouca consciência dos malefícios dessa política, mas para já os resultados são sem problema de maior. Ainda não se nota.
Além demais que da parte dos partidos da governação, sente-se que há muita satisfação no trabalho feito e muita união que os leva agora a fazerem estes jogos de pré-campanha ao encenarem esta baixa de impostos, assistido com toda a passividade do eleitorado.
Mostram uma grande determinação e muito orgulho no trabalho feito, que certamente convencerá muita boa gente.
Mas toda esta encenação agora protagonizada faz parte do trabalho que se preparam para fazer, na baixa de impostos para o Orçamento de Estado de 2015, para ludibriar mais uma vez o povo.
Portanto preparem-se para a baixa de impostos em 2015. 
Nesta política de cortes que leva sempre a mais cortes, não se entende agora esta  baixa de impostos, só para colher votos. 
Vão colocar Portugal em maus lençóis, traduzindo um momento de inconsciência eleitoralista muito caro à nação.
Claro que haverá muita gente contra esta atitude eleitoralista! 
Mas do que se importam eles? 
Dá votos!

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

http://atoa2014.blogspot.pt/

http://atoa2014.blogspot.pt é o blog de um grupo de transmontanos, movidos por sentimentos vividos pela saudade e o orgulho do povo de uma terra que apesar dessa lonjura procuram encurtar através desta nova Associação de Transmontanos de Oeiras e Amigos (ATOA) que aqui pelos lados de Oeiras e seus arredores querem galvanizar, demonstrando que a sua alma e condição de transmontanos, mesmo longe é algo sempre presente, que é a mente de um transmontano que dificilmente alguém conseguirá transcrever, tal como nós o sentimos, a nossa condição de gente de raiz.
Nesse sentido e para vincar essa “transmontaneidade” que só nós sabemos viver e sentir, este grupo de amigos juntou-se com o fim de nos unir ainda mais, cá longe para nos tornar tão mais perto e vivos o quanto possível na sua alma ímpar e admirável que é aquela nossa espontaneidade sincera e desinteressada em cada gesto, em cada atitude para qualquer semelhante que de um verdadeiro transmontano se achegue.
Com esse propósito o ATOA já está a caminhar, no seu intento de nos unir na saudade, alegria e essência transmontana, e ter sempre presente aquela solidariedade, hospitalidade e altruísmo que é afinal a sua alma verdadeira.
Parabéns ao grupo que quer preservar a génese transmontana, que a queira divulgar ainda mais. Que queira integrar não só os transmontanos num grupo de gente de valia e fazer transbordar essa grandeza da pessoa humana na sua essência social de verdadeiros valores de que muito nos orgulhamos como transmontanos, mas sempre abertos a quem a nós se quiser juntar, os amigos.   

Para que não achem que os transmontanos são uns “babados” ou vaidosos no seu carácter (até porque as maldades nós transmontanos na sua maioria só percebemos que elas existiam depois que tivemos que atravessar o Douro, porque ali reina a verdade a solidariedade o desapego material e de certo modo a ingenuidade que nos obriga a desabrochar quando dali saímos).
Nesse sentido, um amigo de um grande vulto da literatura e dos valores aqui defendidos, um amigo de Miguel Torga, David Nasser (brasileiro), deixa o seu testemunho transcrito e que aconselho a ler:






Saudade defumada
Chaves, Trás-os-Montes, agôsto
AGORA vou entrar no reino do meu guia. Comecei esta viagem - que é uma romaria de amor - com Miguel Torga e é com êle que eu vou. É com êle que vou a Trás-os-Montes. Não posso me esquecer daquela noite, numa pequena rua da Tijuca no Rio de Janeiro mal sacudido por uma revolução sem sangue - e entre as paredes de uma residência transformada em centro tansmontano, a figura sombria de Miguel ao fundo da sala, a falar de um mundo seu. Tendeiros, biscateiros, marceneiros, canteiros, taberneiros, carvoeiros e outros eiros misturados a atacadistas, varejistas, sêco-molhadistas, capitalistas e outros istas de um reino emigrado. O reino maravilhoso daquela gente simples, da côr da terra, do coração grande e das mãos sempre estendidas - para o abraço ou para o murro. Não exite povo mais autêntico sôbre a face da terra que o povo de Trás-os-Montes.
OUÇO ainda o poeta a falar de sua província, a uma saudade estatelada dentro do salão. Um namorado a dizer maravilhas da namorada. A paixão - desculpou-se êle - é uma fôrça terrível, move montanhas, transpõe oceanos e obriga homens tímidos a essas violências do pudor. E lá ficou a falar de Trás-os-Montes, procurando não meter na conversa sombra de literatura. Suas palavras foram, na realidade, palavras físicas, realidades físicas, como urgueiras floridas, talefes brancos, restolhos dourados - doirados dizem êles - a fazerem, na oração, de sujeito, de verbo e de complemento.
EM vez de catadupas de som, o homem despejou cêstos de uva, sacos de castanhas, presuntos, facadas, procissões, feiras e uma encosta de Montesinho ou de Barroso a servirem de pano de fundo aos olhos de uma platéia enlevada. Em muitos olhos duros de português transmontano havia lágrimas. Talvez nos olhos de gente que não chorasse nem na morte da mãe.
AO escutar o idioma, como pedra cristalina, descendo das pedras de Torga, via-o a fazer a barba do pai, em S. Marinho de Anta, a ajudá-lo na semeadura, ou sentia-o a chorar numa fazenda de Leopoldina, em Minas, adolescente ainda, sob um saco de café, onde o que pesava mais era a saudade. Tenho a impressão de que essa palavra foi inventada aqui em Trás-os-Montes.
NOS poucos minutos daquela prosa, o telúrico levou seus irmãos pelo caminho que vai à padroeira de cada freguesia, misturou o seu barro humano como de sua gente, fazendo com que saísse da união a imagem verdadeira, ampla e significativa dum berço que é todo simplicidade. Falou sem preocupação de gramática nem de estilo, porque, ao primeiro sinal de retórica, aquêle berço deixaria de embalar.
DE olhos enxutos um povo esmagado de lembranças, Torga estendeu no soalho da sala o mapa invisível de Trás-os-Montes, e cada um se sentiu com os pés enterrados no húmus de sua aldeia. Os da Régua se sentiram na Régua. Os de Vinhais, em Vinhais. Os de Mirandela, em Mirandela. Os de Carrazeda, em Carrazeda. O que êle não imaginou é que eu, um brasileiro de Jaú, estivesse em Vila Real, a beber do vinho honesto do Padre Henrique, a almoçar na Quinta do Narciso, a comer em Rebordelo os salpicões da mãe do meu companheiro Luiz dos Santos; a dormir, sôbre aquêle chão dos netos do meu sangue, debaixo de uma ramada, como alguém que volta a uma pátria escolhida. A sua pátria intelectual.
ENTREI no regimento transmontano de Torga, formando a guarnição do pequeno mundo que viu nascer a todos aquêles bons homens que estavam numa sala explosiva de saudade. Desde então passei a mourejar com todos os glóbulos sarracenos prestes a incendiarem como os xistos de lá. A saudade de um trnsmontano é saudade defumada, que conserva a gostosura da carne, a doçura do clima e a amargura da terra. O homem fêz descer a todos, fêz voltar a todos, fêz chorar a todos, fêz chorar até a mim que não tenho nada com isso.
VAI-ME a baixar da Terra-Fria aonde nunca tinha ido, para a Ribeira à frente da roga, de harmônio ao peito como um fadista. Depois fui contrabandear na raia, senti-me a desconjuntar lusitanamente os verbos, a ceifar na lomba, a saibra, a redrar, conforme a hora, conforme o tempo. Aportuguesei-me. Amiguei-me com Portugal. De cama, de mesa e de graça.
- QUE diabo de língua falas tu? - perguntou-me, em tom naturalmente altivo, um pastor que descia a Chaves.
E ao ouvir o mestre no centro transmontano, recordei-me de Rubem Braga, a dizer a Rachel de Queiroz que a língua portuguêsa emigrou para o Brasil quando estava no apogeu - e em Portugal ficou apenas um dialeto falado por um grupo reduzido. Até Camões é mais Camões recitado por um brasileiro. Camões em ritmo português é Camões de pé-quebrado, diz a presunção brasileira. Mas não é possível descrever a Portugal e muito menos ao melhor que Portugal que está atrás dos montes, onde se grita ao lá de fora: - Entre quem é! - Não se pode pintar a êsse quadro com as nossas tintas. São fortes demais na luz. São fracas demais na côr.

NAQUELA noite, em que, pela primeira vez, me levaram pela palavra para além do Marão, a sala teve sol e neve. Como um hipnotizador, o gênio transmontano, carrancudo e generoso traçou para cada um o rosto da amada perdida. Fê-los subir, a todos, o outeiro da memória. Acendeu na alma de cada um o fogo dos arraiais distantes. E todos, agachados, ficamos a ouvi-lo, como a um pajé misterioso que estivesse a cortar fatias de lembranças. Não, não era uma descrição, era uma comunhão, onde eu, como um maometano que não sou entre cristãos que não eram, vinha juntar-me. Quem era de Vila Flor passou mentalmente a apanhar azeitona na sala. Do Romeu, a descascar sobreiros. De Favaios, a cozer trigo. Do Vimioso, a escavacar pedreiras. Mas, eu?
- De onde é o amigo?
- Do Jaú.
- Pois entre no grupo. Entre como se fôsse de Freixo. Entre na roda e coma amêndoas. Queria ficar de fora, o grande marôto!
-E nós, santinho? Somos de Pinhãocelo.
-De Pinhãocelo? Vamos, aparelhe os machos e ferre-lhes com a carga em cima. Depressa! Pena não haver ninguém de Pocinho. Há? Ó criatura de Deus, salte para dentro do rabelo e agarre-se à espadela. Mas cuidado! O cachão da Valeira é traiçoeiro. Apegue-se a S. Salvador do Mundo.

E ASSIM, dentro daquela sala em cuja ampliação agora estou, Torga, naquela noite, teve seu reino animado. Os rios com barcos e barqueiros, as serras com rebanhos e zagais, os lameiros com charruas e labradores. Todos olhavam orgulhosamente, transmontanamente, para êsse reino viril de homens viris. Nenhum outro reino mais belo, mais castiço e mais aberto. Entre quem é! Nenhum outro reino tão capazmente servido pelo seus filhos nem tão devassado, tão escancarado para os que chegam de alma aberta. Entre quem é! A beleza de lá não tem maneirismo, nem o catecismo de lá é arcaico, nem a fundura dos horizontes de lá significa perdição no vago, nem os sentimentos dos habitantes são mesquinharias. De Trás-os-Montes, perdoem-me os outros, Portugal exporta o melhor.
DE Sabrosa ao Pinhão, do Tua a Bragança, da Régua a Chaves, de Freixo a Barca de Alva ou em Boticas, é o que se vê: sempre o mesmo lençol de fragas e a mesma gente a nascer nêle. A fisionomia dos relevos, a máscara enrugada das penedias, a estimulante largura dos descampados corrempondem no humano a uma fisionomia igual, recortada em granito, máscula, austera, e, ao mesmo tempo, viva e generosa. Ouço ainda a se dizer naquela sala, dentro da qual coube um pequena leira lusíada, que o destino quis que houvesse no tôpo uma costeira, onde tudo tivesse caráter e dignidade. Onde a vista pudesse desfrutar dali perspectivas originais, onde a enxada pudesse mostrar na dureza dos torrões a dureza do aço, onde o fole do peito se enchesse por inteiro a cada respiração, onde todos os sêres ali nascidos ou ali vividos estivessem à altura.
PORTUGAL encontrou em Trás-os-Montes o seu telhado, a lousa que lhe resguarda as virtudes, a saúde física e moral, a tenacidade mourejadora (sempre os mouros do meu sangue), a pureza dos costumes e a expressão mais nobre e acabada das feições interiores, a mais severa e desassombrada parcela da pátria, a mais estremada expressão do seu povo. A capa de honras daquele mirandês que ali aparece não é um trajo de festa, mas o paramento dum sacerdote laico da dignidade. A louça negra que nos vende êste oleiro de Bisalhães não é, como parece, apenas barro amassado e cozido, mas o lado noturno da fome na sua expressão estóica, porque existe um Portugal pobre, que luta e sofre, a catar os seus próprios meios, a viver com os seus próprios recursos, mas um Portugal que não pede esmolas nunca.
VAI puxando lá embaixo o rabelo à sirga, um môço vai picando a junta de bois ou abrindo a valeira na teimosa persistência. A admiração alheia é apenas um estímulo para prosseguir. O transmontano sente a perfeição interior. Sem favor algum, é perfeito desde a meneira de estender uma tigela de caldo a um pobre, à larguesa de abraçar um amigo - ou em concretas obras-primas de sabor, de graça, de habilidade e de figura. E até de grossura, diria eu, ao colhêr dessa epopéia escrita a enxadão tôda uma filosofia condensada num provérbio de sabedoria velha. Quem tripas comeu e com viúva casou, sempre há de se lembrar do que por lá andou. Por lá andei, com viúva não casei, por isto trago apenas, de Trás-os-Montes, um gosto de saudade defumada, neste fim de viagem.


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