Amélia apareceu hoje nas notícias de televisão. Deixou cair
a máscara que possivelmente há muito tempo a consumia, ganhou coragem a colocou
um anuncio num placard de um supermercado “Pingo Doce” a oferecer-se para
trabalhar em troca de comida.
É certo que o Pingo Doce anunciou a abertura de
uma rede de supermercados na Colômbia, mas este anúncio foi mesmo colocado num
desses supermercados em Portugal.
Pelas imagens que vi na televisão, garanto
que a realidade é mesmo portuguesa. Não vão pensar os mais distraídos que
possam ser imagens de um país terceiro-mundista nos anos 80, como Colômbia,
Bolívia ou outro qualquer país da América Latina, que na sua maioria nesses
anos estavam subjugados aos programas do FMI, chamados de recuperação económica, que a pretexto dessa recuperação os povos trabalhavam a troco de
comida, vivendo miseravelmente enquanto os países se afundavam e entregavam às
empresas multimilionárias a exploração da sua riqueza natural e económica, com
o conluio de governantes nepotistas e servi listas, apostados em vender a alma e os seus povos em troca de fortunas pessoais.
Felizmente que estes povos conseguiram libertar-se do jugo
do FMI e agora dão cartas ao mundo como é o caso do Brasil, que bem conhecemos.
Agora os miseráveis, as “Amélias” somos nós, e sujeitos a um
desses programas de assistência constituídos pela União Europeia e FMI, vivemos
na penúria envergonhada e resignados vamos resistindo conforme podemos, escondendo
enquanto for possível a desgraça do desemprego, das dividas e da falta de
dinheiro para calarmos a fome, escondida muitas vezes numa carcaça rechonchuda engordada
em tempos à custa de comidas nocivas que esta sociedade de consumo nos
impingia, enquanto funcionava.
Agora vemo-nos gordos por fora, famintos por dentro,
enclausurados entre observações de pessoas que sempre puderam e souberam cuidar
do seu corpinho, com observações do tipo:
-Não parece que esteja a passar fome, até que está bem
gordinho.
E é neste espartilho emocional que muitas Amélias deste país
vivem. Gordinhas por fora e famélicas por dentro.
E assim se vai vivendo dentro desses três milhões de
(in)concenciências, envergonhadas e pobres, fintando a misérias sabe-se lá até
quando, por culpa de um Capataz chamado Gaspar, que como antigamente, eram o símbolo
do servilismo de um tempo de má memória, mas apostados em regressar, pelas mãos
de um governo cego e surdo para o país, mas que diz ao patronato chamado
TROIKA, que vai continuar com mais austeridade ao gosto do patrão directo de
nome Merkel.
Amélia de que a televisão nos fala hoje, é a Amélia da
coragem, que muitos ainda teimam esconder esperançados em falsas promessas e
acreditados que esta politica é a solução, apoiada em mais e mais cortes e
medidas de austeridade que nos levará à miséria de tempos julgados esquecidos.
Esta Amélia é a Amélia
da coragem, que nós teimamos em esconder. A Amélia que com mais amor aos seus
filhos decidiu oferecer-se para trabalhar a troco de comida para lhes dar.
Esta é a antítese das Amélias que somos nós, um povo à beira
do abismo e da miséria, mas que teima em ser Amélia.
Esta é a Amélia do fim do embaraço, que despiu a capa da
vergonha e abriu o armário da realidade, vazio de pudor, que tantos pobres em
Portugal teimam em manter fechado, por culpa de uma realidade imaginária que
eles tardam em reconhecer, que os mantém anestesiados num sonho Sebastianista.
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