domingo, 6 de outubro de 2013

A MISSA REPÚBLICANA

As missas a que me habituei, eram daquelas missinhas ao domingo de manhã em que éramos obrigados a ir e prestar contas lá em casa. Mas havia uma técnica, era aparecer ao final da missa e saber quem tinha lido a epistola e assim enganávamos as nossas mães.   


Nós rapazes à medida que nos íamos tornando espigadotes, começávamos a furtar-nos àquela maçada, que era ouvir o Sr. Padre lá do “seu” altar a proferir sempre a mesma lengalenga, embora com homilias ligeiramente diferentes reportando-se a episódios bíblicos, cuja intenção era revelar-nos a verdade de Deus, acompanhadas de recados à comunidade.

O padre era assim como que um mensageiro da fé, que nos ensinava o caminho da verdade.

Eu sempre me convenci, que as pessoas que iam à missa, não iam para ouvir o padre a falar sobre passagens bíblicas, mas sim por uma questão de fé e tementes a Deus, que nos levava a pensar que lá nos céus há Alguém acima de nós que nos observa e conforme nos habituaram a crer, esse Alguém nos desculpa pelo mal que fazemos ao próximo e pela confissão está sempre disposto a perdoar-nos.

E sempre que alguém se sente pecador, lá está pelo menos aos domingos a pôr a mão no peito fazendo o seu ato de contrição, quer seja rico ou pobre. 
Nos pobres é mais uma espécie de devoção com pedidos a Deus na esperança de uma vida melhor, já quanto aos ricos, pedem remissão dos pecados cometidos que pela confissão e pela missa dominical se sentem absolvidos, acompanhado de uma famigera moeda na bandeja à passagem do peditório, para que todos observem a sua suposta bondade para com Deus e a Igreja.

No final da missa  lá vão convidar o Sr. padre para ir almoçar lá em casa, para terem uma maior proximidade com Deus e acumularem mais indulgencias.

À despedida os menos avarentos oferecem um envelope com umas notinhas para o sr. padre fazer a sua vidinha porque também é filho de Deus e assim se converte mais um cúmplice.

Fica-se redimido para uma nova semana de opressão e atropelos àqueles e às leis que os regulam como seus servidores, sujeitos à batuta que novamente se torna opressiva.

O que é certo é que ninguém gosta de faltar à missa de domingo, quer seja para se pavonear pela igreja adentro, ou para reparar em quem lá vai ou deixa de ir, ou então para se inteirar dos últimos acontecimentos do burgo, que ali fazem notícia.

Quanto a fé cada um toma a que quiser, mas sempre temendo a Deus, não as vá o diabo tecer.

Ontem já não foi feriado, por pecado governamental, o dia da implantação da República, em que se tentou separar a igreja do poder, já não é feriado, e como tal não houve a mesma missa, como acontece aos feriados e domingos.

Aqui o "padre" e o rico banquetearam-se, mas mais sórdido ainda, com um governo comungando da mesma mesa e na figura do sacerdote retribuiu as esmolas, os almoços e envelopes oferecidos para remissão dos pecados, a troco de mais uns dias de trabalho para assoberbar os bolsos famintos de ganância dos nossos empresários e patrões.

E assim os pobres diabos continuarão a pedir a Deus por melhores dias, pela miséria que a cada hora se avulta.

Quanto à missa que ontem já não houve, essa sim foi apregoada agora pelo Cardeal, que de uma forma apadralhada e masoquista, aplicou um sermão aos seus acólitos com um discurso rendido à inevitável desgraça de um ajustamento às necessárias medidas de austeridade impostas pela Troika.

Numa homilia vazia de conteúdo mas cheia de conformismo, Cavaco Silva não disse nada, porque já nada tem para dizer. Proferiu palavras sem assunto, escusando-se a dar recados a quem quer que fosse, aceitando a crise como uma inevitabilidade, onde os presentes no meio de bocejos pela maçada marcaram presença na eucaristia, cumprindo um ato de fé, fazendo de figuras devotas e representantes institucionais de uma democracia que não funciona, com medo de sacrilégios ou receio de ser excomungados e aproveitando para se pavonearem.

Salvou-se a leitura da epístola de António Costa, com um discurso luterano, que de certa forma tem vindo a conquistar alguns adeptos fervorosos e esperançados na ascensão de uma nova religião.

Quanto ao nosso Cardeal e restantes sacerdotes, apressaram-se a entrar para dentro da “igreja” tentando ignorar os apupos e assobios dos ateus que do adro pediam "demissão". Apesar de não serem assim tantos, já são mais que suficientes para ensurdecer as suas cabeças, cada vez que aparecem em público, mesmo que de fugida.

E assim entre uma espécie de retiros e visitas papais, como a última à Suécia, o nosso "Sumo Pontífice" vai largando umas atoardas, contradizendo o que anunciou cá dentro, falando aos ricos lá de fora, que tudo está bem, que a salvação está próxima e que todos alcançarão os reinos dos céus sejam uns de barriga cheia, sejam outros com ela vazia.

Se calhar masoquismo é mesmo uma questão de fé. Falo de mercados, claro!

Porque aqui nós já não há fé que nos salve.

Mas pronto vão lá à missa.

Ah, no dia de todos os santos, não!

Já não é feriado, teremos que trabalhar religiosamente conforme nos obrigam.

A bem dos mercados lá fora e por causa da crise cá dentro.



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