quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Criando a próxima crise

A opinião pública informada está fortemente dividida sobre o desempenho da economia mundial durante os próximos 12 meses.
Os que olham para os mercados emergentes destacam o crescimento acelerado, com algumas previsões a indicarem um crescimento de 5% da produção mundial. Outros, preocupados com os problemas na Europa e nos Estados Unidos continuam mais pessimistas, com projecções de crescimento próximas dos 4%. Alguns antecipam ainda uma recessão em forma de w. Este debate é interessante mas falha o mais importante. Em resposta à crise de 2007-2009, os governos da maioria dos países industrializados realizaram alguns dos mais generosos resgates a grandes instituições financeiras. Claro que não é politicamente correcto chamar-lhes resgates – a linguagem preferida dos decisores políticos é “apoio de liquidez” ou “protecção sistémica”. Mas representa, essencialmente, o mesmo: na hora da verdade, os governos mais poderosos do mundo (pelo menos, no papel) cederem várias vezes às necessidades e desejos das pessoas que tinham emprestado dinheiros aos grandes bancos.Em cada instante, a lógica foi impecável. Por exemplo, se os Estados Unidos não tivessem apoiado incondicionalmente o Citigroup em 2008 (durante a administração de George W. Bush) e outra vez em 2009 (durante a administração de Barack Obama), o consequente colapso financeiro teria piorado a recessão global e aumentando o desemprego em todo o mundo. Da mesma forma, se a Zona Euro não tivesse actuado – com a ajuda do Fundo Monetário Internacional – para proteger a Grécia e os seus credores, teríamos assistido a um aumento da turbulência financeira na Europa e talvez noutros países.De facto, houve repetidos jogos de provocação entre os governos e as principais instituições financeiras dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Nos governos disseram: “Não realizamos mais resgates”. Os bancos responderam: “Se não nos ajudarem, provavelmente haverá uma segunda Grande Depressão.” Os governos pensarem brevemente sobre esta possibilidade e depois, sem excepções, cederam.Os credores foram protegidos e os prejuízos do sector financeiro foram transferidos para os governos (como aconteceu na Irlanda) ou para o Banco Central Europeu (como aconteceu no caso da Grécia). Noutros sítios (como nos Estados Unidos), os prejuízos foram disfarçados com uma grande dose de “tolerância” regulatória (ou seja, os governos aceitaram olhar para o lado enquanto os bancos reconstruíam os seus capitais através da transacção de acções).E funcionou – já que a economia desses países está a recuperar, apesar de uma lenta recuperação do emprego nos Estados Unidos e em alguns países europeus. Assim, qual é o problema com as políticas realizadas entre 2007 e 2009? E porque motivo não podemos planear algo semelhante para o futuro se alguma vez voltarmos a enfrentar uma crise desta natureza?O problema é o incentivo – o que implicam os resgates nas atitudes e comportamentos do sector financeiro. A protecção dada a bancos e outras instituições financeiras desde o verão de 2007, e de forma mais significativa desde a queda do Lehman Brothers e da AIG em Setembro de 2008, envia um sinal simples. Se um banco for “grande” face ao sistema, é mais provável que receba um apoio generoso do governo quando todo o sistema fica vulnerável.Quão grande é “grande o suficiente” continua a ser uma questão interessante e em aberto. Os maiores “hedge funds” estão, possivelmente, à procura de formas de ficarem maiores e assumirem uma “importância sistémica”. Idealmente – do seu ponto de vista – vão crescer sem atrair o escrutínio regulatório. Ou seja, sem impor limites ex ante às suas actividades de risco. Se tudo correr bem, estes “hedge funds” – e como é obvio os bancos que já são Demasiado Grandes para Cair (Too Big to Fail (TBTF)) – podem lucrar bastante.Claro que se alguma coisa correr mal, todos os que são TBTF – e que emprestaram a empresas TBTF – esperam receber protecção governamental. Esta expectativa reduz o custo do crédito para os grandes bancos (face aos concorrentes, que são pequenos o suficiente para que, provavelmente, os deixem cair).Consequentemente, todas as instituições financeiras ganham um poderoso incentivo para crescer (e pedir mais emprestado) na esperança de também se tornarem grandes e “mais seguros” (do ponto de vista dos credores e não do ponto de vista social).Os principais decisores políticos norte-americanos reconhecem que esta estrutura de incentivos é um problema – curiosamente, muitos dos seus pares europeus ainda não estão sequer disponíveis para debater estas questões abertamente. Mas a retórica da Casa Branca e do Tesouro é “terminámos com os TBTF” com a actual legislação da reforma financeira.Infelizmente, não é o caso. Na dimensão crítica do tamanho excessivo dos bancos e do que isso implica para o risco sistémico, existe um esforço concertado dos Senadores Ted Kaufman e Sherrod Brown para impor um limite ao tamanho dos maiores bancos – em concordância com o espírito da original “Regra Volcker” proposta em Janeiro de 2010 pelo próprio Obama.Num inacreditável volte face, por razões que continuam desconhecidas, a própria administração Obama desistiu desta proposta. “Se tivesse sido promulgada, a proposta Brown-Kaufman teria provocado a desintegração dos seis maiores bancos dos Estados Unidos”, afirmou um alto funcionário do Tesouro. “Se tivesse sido promulgada, provavelmente isso teria acontecido. Mas como não o fizemos, não aconteceu”.Se a economia cresce 4% ou 5% é importante mas não afecta muito as nossas perspectivas de médio prazo. O sector financeiro norte-americano recebeu um resgate incondicional – e agora não enfrenta nenhum tipo de regulação significativa. Estamos, sem dúvida, a prepararmo-nos para outra expansão alicerçada em riscos excessivos e imprudentes no coração do sistema financeiro mundial. Isto só pode terminar de uma maneira: mal.

Simon Johnson, antigo economista chefe do Fundo Monetário Internacional, é co-fundador do blog http://BaselineScenario.com, professor na MIT Sloan, e membro do Peterson Institute for International Economics.

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